Crítico ferrenho da possibilidade de qualquer discussão para o retorno do futebol durante a pandemia do novo coronavírus, o técnico do Botafogo Paulo Autuori acredita que, dada a atipicidade do momento, o futebol já deveria planejar 2021. Em entrevista ao blog do André Rocha, do UOL, Autuori embasou e defendeu sua tese.
— É um ano totalmente atípico, o futebol brasileiro já devia estar planejando 2021. Porque o cenário é único. Nas grandes guerras você tinha nações batalhando entre si, mas as outras, ainda que envolvidas diplomaticamente, acompanhavam de longe. Agora não, todos estão sendo atingidos. A crise é global, o mundo parou – lembra.
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Favorável à abertura de um canal de debate dos profissionais envolvidos, o treinador sugere um caminho.
— O momento seria de reflexão para salvaguardar 2021. Debater de maneira clara a adequação ao calendário europeu, os prós e contras. Se houver espaço para opinar, ninguém pode reclamar depois. Muitos jogos são um malefício, mas poucos ou nenhum como agora, também. Temos condições de equilibrar. O problema é que aqui temos um solo infértil de ideias e debates. Porque há um prazo de validade, já que os clubes não se organizaram minimamente para enfrentar uma crise desse tamanho.
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Veja mais trechos da entrevista de Paulo Autori:
Possibilidade de retorno durante pandemia
— Quem seria eu se quisesse retornar agora? O que mais me dá força é saber que tenho sido coerente comigo mesmo. O discurso não mudou. Eu tenho uma máxima que quem trabalha comigo conhece: “Futebol é vida”. Não pode ser descolado da sociedade. Sou completamente contra a volta aos treinamentos. Desculpe, mas quem aprova isso não tem a mínima noção da quantidade de pessoas envolvidas em uma sessão de treinos. E de origens distintas. Muitos olham apenas para a ponta do iceberg.
— A base da pirâmide do meio futebol recebe entre dois salários mínimos e cinco mil reais. Isso incluindo Séries A e B. Gente que usa transporte público. Como eu vou dar treino sem roupeiro e massagista? Até analista de desempenho, que é uma função nova, tem suas dificuldades. Como forçar essas pessoas a trabalharem sem a devida proteção?
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— Por isso minha crítica de longos anos à CBF. Nada pessoal contra quem trabalha lá, é apenas uma questão de conceitos, divergência de opiniões. As pessoas que tomam decisões lá estão totalmente fora da realidade do futebol.
Demissão de Sebastião Leônidas no Botafogo
— O Brasil, não só futebol, trata mal o seu cidadão. E estou tranquilo para dar minha opinião porque, quando chego a um clube, aviso que, mesmo estando a serviço da instituição, eu tenho direito a ter uma opinião, ainda que crítica a essa mesma instituição.

— Trata mal e há muito tempo. Estou nesse meio há 45 anos. No caso dos idosos, contexto no qual estou incluído, a falta de respeito é total. Não há a menor preocupação com eles. Eu morei em vários países e na maioria o tratamento é completamente diferente. Nem vou falar do Japão, porque é covardia. Lá os mais velhos são aproveitados em funções com menos exigência física e eles se sentem úteis e produtivos para a sociedade.
— Mas no geral podem viajar e desfrutar dos anos que trabalharam e contribuíram. Aqui o meu pai, já falecido, teve que voltar a trabalhar já aposentado, com problema de visão, por necessidade. Isso quando o idoso encontra mercado de trabalho. É uma realidade muito cruel.
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— Qualquer cidadão quando vê que alguém perde o emprego fica triste e lamenta, certamente. O que acontece nos clubes tem a ver com a gestão. Não se preocuparam em enxugam as máquinas e muitas vezes confundem aquilo que é necessidade com o que é vontade pessoal. É preciso priorizar o que é necessário, sem arrumar jeitinho de colocar um aqui e outro acolá e se preparar para momentos difíceis. Porque só se pensa em cenários positivos e em qualquer empreitada é preciso pensar em todas as hipóteses.
— É algo que vai acontecer, e não só no futebol. Neste momento da pandemia muitas empresas estão demitindo funcionários, mas no futebol transcende um pouco. Mesmo sem ter como prever uma situação como a atual, é preciso tratar as coisas com muito mais responsabilidade e o requisito básico de gastar muito menos do que se arrecada.
Tempo livre na quarentena
— Eu tenho uma personalidade mais discreta, sou tranquilo. Então a minha vida em casa não mudou muito. Eu sou um crítico das redes sociais, dessa vida irreal. Uma necessidade de passar a imagem do que não é. Pessoas conectadas o tempo todo no próprio mundo, cada vez mais isoladas Estou levando a vida. Sou humanista, sinto falta do convívio, da conversa olho no olho. Ir ao cinema, teatro, restaurante com amigos também me faz muita falta.
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— Me ocupo com tudo que possa me fazer crescer. Além de algumas tarefas domésticas, já que estou sozinho aqui no apartamento. Mas não serei diferente do que já era e não creio nessas teorias de que as pessoas vão mudar depois da pandemia. Só aqueles com bom senso e alguma sensibilidade podem passar a dar valor a outras coisas depois disso tudo.
— Leio muito e não respiro futebol 24 horas por dia, porque acho que se perde abrangência no pensamento. Quanto mais aberto, mais apto a produzir no seu trabalho, por exemplo. E o futebol é antropologia pura. O homem e seu contexto. Ninguém nasce jogador de futebol. Todos têm suas angústias, medos e frustrações.
Foto: Nayra Halm / Fotoarena
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