Especialista vê clube-empresa com otimismo apesar do coronavírus

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Clube-empresa Pedro Trengrouse
Botafogo S/A
No final de 2019, Conselho Deliberativo do Botafogo aprovou implementação do modelo clube-empresa. Foto: Vitor Silva/Botafogo.

Na última sexta, 4, o ex-técnico do Botafogo René Simões promoveu uma live no Instagram para pensar o futebol após o surto do novo coronavírus. Para o papo, René convidou Pedro Trengrouse, advogado especialista em clube-empresa.

Apesar do cenário desolador causado pelo surto, Trengrouse, que acompanha o processo profissionalização do Botafogo de perto, adota o otimismo à implementação do novo modelo no futebol brasileiro.

— O processo pode ser afetado pelo coronavírus, mas também pode haver uma aceleração. O governo vai ter que ajudar a economia toda a pegar no tranco. Porque essa desaceleração interfere em todos os setores, inclusive no futebol. A ajuda que o governo der para o futebol pode ser condicionada à evolução dessa estrutura empresarial que tanto queremos no futebol brasileiro. Talvez esse processo todo acelere – acredita.

Segundo o especialista, a aceleração do modelo clube-empresa passa invariavelmente pelo apoio do governo federal à causa.

— Tudo depende de como o governo vai ajudar o futebol. Se for na forma de exigência de contrapartidas, o futebol pode melhorar muito. Imagine o seguinte: nós temos exemplos de terra arrasada no Japão com duas bombas atômicas que destruíram o país. E logo em seguida, com a reconstrução, o Japão teve o maior período de crescimento da história. A Europa, com o Plano Marshall, também.

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— Nós temos aí a possibilidade de reconstruir o futebol brasileiro, que já não vinha bem das pernas. Então essa crise pode ser um freio de arrumação. Agora se a gente não tiver uma política inteligente que promova essa reestruturação, a gente vai ter uma ajuda, sem dúvida, mas uma quebradeira danada. O futebol hoje não tem maturidade institucional para discutir os seus problemas. Não existe a liga para representar os clubes. O sindicato dos atletas não os representa. Temos uma confusão institucional generalizada. Hoje está todo mundo preocupado em sobreviver – lembra.

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Clube-empresa

— Os clubes no Brasil não têm saúde nem fora da pandemia. A crise de liquidez do futebol brasileiro é antiga e só vai aumentar com o novo coronavírus. Nós temos uma perspectiva com essa ideia do clube-empresa que as responsabilidades sejam mais claras. O problema da liquidez se resolve com crédito. Quem é que vai dar crédito para um clube que não paga os seus compromissos? Até quando o Brasil vai ficar carregando o passivo dos clubes? Em algum momento tem que passar a régua e pagar os credores. Tem que resolver o que passou.

Modelos europeus

— Não dá para continuar insistindo nos mesmos erros. A França, que é um país do tamanho do Estado de Minas Gerais tem 16 mil clubes. A Espanha tem 3.800. O Brasil tem 800, mas só pouco mais de 100 em atividade. A gente precisa olhar e fazer essa reflexão. O mundo inteiro está errado quando obriga o clube a ser empresa? A França obrigou, Portugal, a Espanha de certa maneira também obrigou. Real Madrid e Barcelona são as exceções, mas obrigando o presidente e a diretoria a darem fiança. O patrimônio deles está em jogo.

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— O Tubarão/SC é um clube-empresa, que hoje gera quatro vezes mais empregos do que gerava antes. E vamos ter essa realidade em clubes de todos os tamanhos. Os investidores estão desde o interior até as capitais. Tem tamanho de investimento para todos os bolsos. O que precisa é um ambiente favorável, segurança jurídica para o investimento.

Figueirense

— Investidor que o clube arrumou não resistia a uma busca do Google. Como vai ser investidor sem dinheiro?

Investidores brasileiros

— Alguém já parou para pensar porque os bilionários do Brasil não tem clube de futebol? Só não tem porque nossa estrutura hoje afasta essas pessoas. No dia que o ambiente for favorável, podemos tê-los de acordo com seus investimentos. O Ronaldo, por exemplo, resolveu investir na Espanha e comprou o Real Valladolid. Pagou cerca de R$ 200 milhões. Esse é o valor que um clube de segunda divisão talvez peça. Os clubes de primeira divisão querem 500, 600 milhões de reais. Acham que vale. É muito difícil, ainda mais comparando com o mercado lá fora.

Mudanças na relação entre clubes e atletas

— Nesse momento, tem que haver uma mudança sim. Estamos convencidos de que é fundamental que o Sindicato dos Atletas, clubes, Conmebol se unam num movimento para a FIFA flexibilize as restrições que impôs em 2015 para investimentos de terceiros nos direitos econômicos dos atletas. Porque esse é um ativo importante que os clubes têm e que pode servir para atravessarem essa crise de liquidez que a pandemia traz para todos. Não faz sentido que um ativo continue sofrendo as restrições.

Fair play financeiro

— Ajuda a organização do futebol como um todo. Numa competição, o elemento principal a competitividade. Tem que haver equilíbrio mínimo entre os competidores. Se a gente já souber o resultado é um teatro. Essa competitividade precisa ser garantida no aspecto financeiro para que ninguém tenha vantagem indevida em relação ao outro. É o doping financeiro. Esse é um aspecto. O outro aspecto é que os clubes têm que oferecer uma certa segurança para competição.

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Tamanho do quadro de sócios têm peso na negociação entre clubes e investidores?

— O programa de sócio-torcedor é um dos ativos de qualquer clube, mas no Brasil ainda está engatinhando. A grande massa de sócios ainda está vinculada ao estádio, ao ingresso. Precisamos extrapolar isso.

Clube híbrido

— Imagina que o clube consiga um investidor. Ele entra com o dinheiro e outra pessoa que manda? Se o clube está precisando de investimento, é porque essa parte política não deu muito certo, não é? A grande maioria dos clubes brasileiros, inclusive o Flamengo, que está bem hoje, mas a situação financeira deles ainda tem uma quantidade de dívida grande.

— A estrutura empresarial dá mais segurança pelo seguinte. O clube tem dono. Sendo assim, ele corre os riscos do negócio. O dinheiro é dele. Não é administração de bens de terceiros.

— O Flamengo, por exemplo, resolveu não vender os direitos de transmissão do Campeonato Carioca. Essa foi uma decisão que rasgou R$ 18 milhões do Clube. Por quê? Porque como todos os outros clubes já tinham contratado os direitos, eles não podiam contratar com outros. Fizeram uma pirraça apostando que a televisão ia pagar mais por se tratar do Flamengo. A televisão corretamente não cedeu. Eu duvido que se fosse a empresa do presidente do clube ele abriria mão dos R$ 18 milhões. Nunca. Essa decisão fica muito fácil de ser tomada com o patrimônio dos outros. É isso que acontece nos clubes hoje. Os dirigentes não têm responsabilidade. Eles vão embora para casa e seguem a vida deixando as dívidas milionárias nos clubes.

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Sobre Diego Mesquita 1556 Artigos
Botafoguense, 36 anos. Formado em Jornalismo pela FACHA (RJ), trabalhou como assessor de imprensa do Botafogo F.R em 2010. Hoje, é setorista independente.

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