Faltavam seis minutos para às dez horas da noite. Eu, no meio de um jantar, recebo no meu WhatsApp, via grupo da assessoria de imprensa do Botafogo, a informação que transcrevo, na íntegra, a seguir:
Como continuidade ao planejamento definido pelo Botafogo visando a temporada 2022, o atleta Chay será submetido na tarde desta terça-feira (14/12) a uma atroscopia no joelho esquerdo, que será supervisionada pelos médicos alvinegros.
O procedimento estava programado antes mesmo do término da temporada. Para não interferir na performance do atleta na reta final do Brasileiro, houve um entendimento entre as partes para realizá-lo neste período sem competições.
Cabe ressaltar que, em alinhamento com o clube, o atleta abriu mão de parte de suas férias para iniciar fisioterapia já nos próximos dias no Clube.
Assessoria de Imprensa
Possivelmente, uma intervenção cirúrgica tão comum na vida de qualquer atleta, como uma artroscopia, não valesse sequer ser citada na minha coluna assinada no Fogo na Rede – algo, aliás, que aproveito para dizer que me dá imenso orgulho e responsabilidade.
No entanto, há um enorme significado em tudo isso.
Explico… aliás, vale começar explicando o que é uma artroscopia:
A artroscopia de joelho é uma pequena cirurgia na qual o ortopedista utiliza um tubo fino, com uma câmera na ponta, para observar as estruturas no interior da articulação, sem precisar fazer um corte grande na pele. Dessa forma, a intervenção normalmente é usada quando existe dor no joelho, para avaliar se existe algum problema com as estruturas da articulação. Se já houver o diagnóstico, o médico pode usar a artroscopia para fazer pequenas reparações no menisco, cartilagem ou nos ligamentos cruzados, ajudando a tratar o problema.
Entenderam? Ok.
Voltemos. Acho que todos concordamos a respeito da importância de Chay para o Botafogo na campanha de acesso do Clube. Se o leitor não concorda, pare de ler agora, porque nada adiantará ser dito para você.
Segundo o site Transfermarkt, o jogador de 31 anos jogou em 31 partidas das 38 rodadas da Série B. Das 31, foi titular em 30. Em 30. Marcou 7 gols, deu 7 assistências e, ainda segundo o site, teve 25% de participações em gols da equipe. Ou seja: a cada quatro gols marcados pelo Botafogo, Chay teve participação em um deles.
Acontece, leitor, que, na segunda rodada das 38 que eu citei, Chay se machuca. É substituído, inclusive, logo após marcar o segundo gol na vitória de 2 a 0 sobre o Coritiba, no Nilton Santos, dia 5 de junho.
Se o Botafogo e, principalmente, o atleta tivessem batido o pé em prol da cirurgia, ainda que a astroscopia, ao que parece, seja uma intervenção relativamente simples, ela tem prazo de seis semanas para que o paciente volte a se exercitar naturalmente. Trocando em miúdos, Chay começaria a treinar somente dia 17 de julho, se fosse operado no mesmo dia do jogo, o que não aconteceria.
Numa realidade paralela, em que Botafogo e Chay optam pela cirurgia, o camisa 14 não teria feito o primeiro gol na vitória contra o Remo, na terceira rodada, por exemplo. Não teria dado assistência para o gol de Navarro no empate contra o Londrina, fora de casa, pela quarta rodada. Não teria feito o gol da vitória, contra o Vitória, na oitava rodada e não teria marcado os três gols no empate de 3 a 3 contra o Cruzeiro, pela 11ª rodada. No pior dos cenários, poderia ter ficado de fora ou até mesmo ter entrado do meio pro final do jogo contra o Vasco. Acontece que o Botafogo venceu o clássico por 2 a 0 e Chay abriu o placar aos dois minutos do primeiro tempo.
Em síntese, se tivessem optado pela cirurgia, Chay não teria sido peça decisiva na conquista de onze pontos. O campeão Botafogo, que terminou o campeonato com 70 pontos, com menos 11, não teria conseguido o acesso. Teria terminado a Série B em 8º, com 59 pontos, na frente de Náutico (53) e atrás de CRB (60).
Importante ressaltar
Certamente, Chay não seria inconsequente a ponto de continuar, apesar das dores, por conta própria. Por óbvio, teve o respaldo do clube e de bons profissionais – sejam médicos ou fisioterapeutas – que fizeram todo um programa para que ele pudesse se manter e a coisa não piorasse.
Acontece, leitor, que Chays já passaram aos montes por um clube gigante, como o Botafogo. Jogador de já relativa idade, habilidoso e cerebral?! Aos borbotões. Podem ter ajudado ou até atrapalhado o clube com seu futebol apresentado, mas fato é que são um em meio a tantos.
Porém, o Chayene para a família dele, e para ele próprio, é único. Seu corpo, seu instrumento de trabalho, é o meio possível de fazer com que junto aos seus tenham uma vida melhor e mais confortável; não só hoje, mas como no futuro, mediante o montante de dinheiro que conseguir juntar no curto período de carreira que tem um atleta.
Com isso, eu quero dizer que Chay, ao continuar jogando – porque, no final das contas, a última palavra é sempre de quem sente a dor – e ele provavelmente nunca externará isso, optou pelo sacrifício em prol de um ideal, de um propósito, que alcançou.
Não estou dizendo com isso que, a partir de agora, Chay estará acima de qualquer crítica, quando errar, ou que já deva estar para sempre pregado ao Muro dos Ídolos. Mas, cara, que bom que temos um atleta que, em meio a um momento limítrofe na história do Clube, decide sacrificar a si mesmo, ciente de sua importância, para que ganhemos todos. E melhor ainda que todos seus companheiros e superiores, inclusive, tirem-o como exemplo.
Esse é o Botafogo que eu gosto, esse é o Botafogo que eu quero: lugar de gente profissional e que veste a camisa.
Twitter e Instagram: @Pedrobinich
ATUALIZAÇÃO: o Botafogo acaba de informar que a cirurgia no joelho esquerdo do camisa 14 foi um sucesso. Que tenha boa recuperação.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Fogo na Rede.
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